quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Jardim Suspenso - Serra da Guia: Mata Atlantica escondida no meio do Sertão

Max Augusto Santos de Araújo Jornal da Cidade - Aracaju, SE March 2005

Um verdadeiro jardim suspenso. Em meio à aridez e sob o impiedoso sol do sertão sergipano, uma área de mata atlântica, repleta de orquídeas e bromélias, se esconde no alto da Serra da Guia, em Poço Redondo. A cerca de 200 Km do litoral, uma pequena faixa de terra (avalia-se em menos de 100 hectares) conserva uma mata fechada, com características de florestas úmidas.

Uma equipe do Jornal da Cidade, acompanhada pelo biólogo Marcelo Cardoso, visitou o local. "É uma área pouco conhecida e bastante descaracterizada pela ação do homem, mas que guarda muitas surpresas", conta o pesquisador, que há cerca de três anos estuda a região.

A Serra da Guia fica localizada no Complexo da Serra Negra, que se estende por Canindé, Poço Redondo e Pedro Alexandre (Bahia). É o local mais alto do Estado, e em uma das serras do complexo, nasce o rio Sergipe. Do alto, uma imensa planície se abre diante dos olhos. Dá para ver o sertão alagoano, baiano e sergipano, dependendo do ponto onde se esteja.

Não costumam aparecer muitos visitantes, ainda é um local pouco conhecido. Há algum tempo, quando a imprensa divulgou as histórias de Zefa da Guia, uma parteira que é uma espécie de matriarca da região, a serra andou recebendo alguns curiosos. Nada suficiente para gerar um turismo auto-sustentável ou renda para a população local. Menos ainda para criar e manter um projeto que venha a proteger a serra.

O fenômeno é um caso raro, mas não único. Em Recife, por exemplo, existe uma área similar, com mais de 6.000 hectares. Mas o caso sergipano possui suas particularidades, que o fazem tão belo quanto importante, assim com o Estado que o abriga.

Trajeto:

Saindo da capital, são quase duas horas de asfalto, até Poço Redondo. Entrando numa estrada de terra batida, que leva ao povoado de Santa Rosa do Ermírio, mais uma hora, de carro, até chegar ao pé da serra. Chegando lá, é possível ver uma placa indicando um centro de recepção ao turista, criado há menos de três anos. Além da placa que o anuncia, a única estrutura da qual dispõe é uma modesta sombra proporcionada por uma amendoeira (parece ter sido feita para estacionar carros). Naquela região, já não é coisa pouca. Os filhos e afilhados de dona Zefa da Guia levam os visitante através das trilhas da serra.

Uma subida cansativa, sob um escaldante sol. Pouco mais de uma hora de caminhada, entre muitas pedras e sobre terra seca. O verde sem vida de algumas "catingueiras" esparças e outros poucos "espinhentos" (pequenas árvores típicas do sertão) dão o tom do trajeto.

O cisal também aparece muito, às vezes acompanhado de pequenas flores, típicas da caatinga. Aos poucos surgem algumas árvores mais altas e pode-se ver, ao longe, belas formações rochosas, ladeadas por um verde mais intenso.A caminhada tem direito a fundo musical, com alguns poucos pássaros dando o ar da sua graça, cantando alto suas sinfonias. Os mais comuns são o Cabeça-de-lenço, Pitaguari, Beija-flor e o Azulão, todos típicos da catinga, avisa o biólogo Marcelo Cardoso.

De repente, cantos diferentes começam a surgir. O "Canarinho-da-mata" e o "Corró", aves típicas da mata atlântica, anunciam a chegada às proximidades da mata.

O topo

Orquídeas e bromélias surgem onde antes só havia caatinga e o sol causticante.No topo da serra, uma clareira aberta pelos moradores dos povoados próximos esconde uma capela e uma casa de pau-a-pique. De lá, os visitantes podem se embrenhar pela mata, onde não há trilhas.

A terra é úmida e macia, ao contrário do solo seco e arenoso encontrado na parte baixa da serra. É recoberta por uma camada de folhas secas e adornada pelas muitas bromélias que caem das árvores mais altas. É comum encontrar algumas espécies de cisal, que podem ter ido parar lá de forma natural, levadas por pássaros, ou pelo homem.

As copas das árvores são muito altas, e se encontram no ar, formando um telhado verde, que protege o solo do sol. Uma hora da tarde, em pleno sertão seco, sol esturricando tudo, e um leve friozinho toma conta dos arredores da mata. É realmente impressionante.

Grande parte do território é muito íngreme, e existem várias formações rochosas, recobertas por líquens e musgos. Árvores altas, que não são vistas no sertão, com troncos grossos, também amparam fungos. Não custa lembrar que musgo e fungos são peculiaridades de regiões quentes e úmidas. Entrando na mata, cheia de teias de aranhas e cipós, é muito difícil encontrar uma clareira. A equipe do Jornal da Cidade não encontrou nenhuma.

A mata é muito fechada, para andar é necessário abrir caminho com o facão ou afastar os galhos. O cuidado com algumas poucas plantas espinhosas e alguns tipos de urtiga é fundamental.

Bromélias, barbas-de-velho e lianas são encontradas aos montes. Mas o grande espetáculo fica por conta das orquídeas, que do alto das árvores, dão um exibem sua beleza. Maio é o período em que elas desabrocham, mas foi possível observar a cor rosa de várias delas.

Segundo o biólogo Marcelo, não existe em Sergipe outro lugar onde haja tantas orquídeas.

"Em maio é uma beleza, a gente olha para cima e parece que o céu está pintado de rosa", conta um dos guias..

Animais

Na verdade, existem poucos pássaros originários da mata-atlântica. A maioria deles são comuns no sertão, e até mesmo nas cidades, como o azulão, sofrê, cabeça, canção, aracuã, acauã e o periquito-da-caatinga. Mas também existem aves típicas de florestas úmidas, no topo da serra. Muitas delas não possuem nomes populares, por serem florestais. O "Canarinho-da-mata" e o "Corró" são aves da mata-atlântica que possuem hábitos peculiares. Durante o inverno eles descem para a Caatinga, a procura de calor.

Existem ainda várias espécies de mamíferos: mocós, tamanduás, veados, raposas, cangambás, caititus e gatos-do-mato. Paira uma pequena dúvida sobre a existência de sussuaranas, pequenas onças que chegam a atingir 1,5 m de comprimento. Os biólogos não confirmam, mas os moradores da região dizem que é comum encontrar o bicho, que eles chamam de onça-do-bode. Pebas, teius, tatus e guachinis também existem em bom número por lá.Mas segundo Marcelo Cardoso, esses animais estão com os dias contados.

"Esses bichos requerem áreas grandes e são exigentes em relação à alimentação. São remanescentes, estão com os dias contados, sua sobrevivência nessa região, à longo prazo, é inviável e não há muito a se fazer", conta o biólogo.

Surgimento

O que intriga à todos que conhecem o local é como pode, em meio ao árido sertão, exposto à um sol intolerante, que deixa a terra seca, surgir uma porção de vegetação que é típica de regiões litorâneas. Marcelo Cardoso conta que baseado em estudos de outras regiões similares, e observando com atenção a realidade daquela mata, pode-se traçar alguns paralelos e arriscar algumas teorias.A mais provável é a seguinte: Há aproximadamente 25 mil anos, estávamos no período geológico do Pleistoceno.

O planeta passava por sua última glaciação, e o clima era mais frio. A mata-atlântica tinha então uma extensão muito maior que a atual, dominando o cenário onde hoje se encontra o sertão. Ou seja, em priscas era, provavelmente houve uma conexão entre a mata atlântica do litoral e aquela região, que perdurou por muito tempo.Mas com o fim da glaciação, as mudanças climáticas começaram a se acentuar. O planeta esquentou muito, e o novo clima acabou com a mata naquela região. Aos poucos ela foi se transformando em caatinga, uma vegetação mais forte, capaz de resistir às agruras do sertão.Mas a altitude da serra preserva um clima mais frio e úmido. Aliado à exposição direta aos ventos carregados de chuvas que chegam do litoral, tornou possível que a mata do alto da serra fosse conservada. Como uma verdadeira pérola no coração do sertão.

ProblemasEsse pequeno relicário da biodiversidade encara sérios problemas. A serra não é protegida, seu território não é uma reserva ambiental. Parte da área verde pertence à uma fazenda. No meio da pequena floresta é possível cruzar com uma cerca, colocada há pouco tempo, segundo moradores da região.

O roubo de plantas também é uma constante. Em maio, várias pessoas vão até lá para roubar orquídeas, que em sua maioria são vendidas em Paulo Afonso, na Bahia. Caçadores de passarinhos também agem por lá, para alimentar um comércio cruel e rentável.Caçadores são um problema que ronda a região. Durante a caminhada, não é raro escutar estrondos secos, tiros de espingarda e latidos de cachorros, ao longe.

É muito comum a caça aos caititus (um tipo de porco-do-mato) e veados.A região ainda sofre as consequências do desmatamento. A subida, que hoje possui uma paisagem seca, já foi muito mais úmida. A derrubada das árvores criou danos irreversíveis ao ambiente, e fez com que as plantas mais resistentes (a caatinga) fossem tomando conta do local. Havia várias fontes de água, pequenos riachos e pequenas lagoas. Ainda é possível ver as marcas na terra, de alguns deles. O desmatamento fez com que secassem.

É um ciclo de morte. A vegetação faz com que se acumule mais água no lençol freático. Quando se desmata, a acumulação de água fica prejudicada, e as fontes vão secando, conseqüentemente, o clima vai ficando mais seco, e mais plantas vão morrendo, vítimas do clima ocasionado pelo desmatamento.Além de acabar com uma verdadeira relíquia, um testemunho importante que dá pistas de como era nosso planeta em outras eras geológicas, esse desmatamento agrava o problema da seca naquela região.

É muito importante que a mata da Serra da Guia seja preservada. Em seu topo encontram-se aves, árvores e flores típicas da mata atlântica, que talvez não sejam encontradas em nenhum outro ponto de Sergipe. "O fato de estar inserida no complexo da Serra Negra, uma das mais importantes áreas de caatinga, que clama por uma política de conservação, também é muito importante", conta o biólogo Marcelo Cardoso. É uma riqueza que não pode ser extinta antes que possamos ao menos conhecê-la melhor.

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